João acorda cedo todos os dias para trabalhar na sua lavoura de café, investe em novas terras e máquinas de alta tecnologia, irriga a plantação, cuida bem dos seus funcionários, respeita as leis e garante a preservação das matas nativas. João é um exemplo de produtor a ser seguido por todos os brasileiros, mas ainda assim pouco ou nada sobra no fim da safra e ele precisa pedir dinheiro aos bancos para custear sua produção. O que será que ele faz de errado?
O caso de João não é singular. João representa as milhares famílias produtoras de café do Brasil, que trabalham o ano inteiro e pouco ganham ao fim da safra. Penso que este problema ocorre porque João, sem saber, está sendo escravizado. Ao produzir um fruto de excelente qualidade, João o entrega barato para as cooperativas e exportadoras, que levam o melhor café para Europa, Estados Unidos e Japão, deixando aqui as sobras. E o caso do café se repete no da laranja, tomate e muitos outros alimentos em que somos mestres em produzir. A saca de café comprada de João por R$ 500,00 se transformam em R$ 5 mil nas mãos de um pequeno torrefador italiano, sem marca expressiva, ou R$ 14 mil no eShop da poderosa Starbucks, R$ 21 mil em cápsulas ou sachês importados. Não culpo nenhuma desses indústrias, mas o comodismo do endividado João.
Ora, mas se o Brasil apresenta indicadores de crescimento de consumo, economia voltando aos trilhos, mercado consumidor disposto a pagar R$ 5,00 numa xícara de espresso (que gerariam os mesmos R$ 2,5 mil faturados pelo italiano), por que entregar o ouro aos outros e ficar com o resto? De fato, sinto repulsa quando encontro com os João’s que enchem o peito para falar que exportam seu café para a Europa ou Japão. Isso é fácil, qualquer um consegue. Agora eu desafio o João a torrar seu café aqui no Brasil, agregar valor a ele e, assim, exportar por um valor digno o excepcional café brasileiro. Deixemos de ser colônia, de nos subordinar às negociatas das trades com as cooperativas de café que só escravizam o produtor e desvalorizam seu belo trabalho.
O café brasileiro é o melhor café do mundo. E não precisamos nos basear em estatísticas ou rankings internacionais para atestar isso. Fato recente que pode comprovar a qualidade do grão que produzimos é que a Colômbia, mundialmente consagrada por seu café, se rendeu a seu concorrente e está comprando o produto cultivado nas fazendas do sul de Minas Gerais para suprir a demanda interna. Milhares de turistas que visitam a nossa vizinha sul-americana à procura de sua famosa bebida estão, certamente, consumindo o nosso produto, o que é, no mínimo, engraçado.
Mas a história do João ainda não acabou. Com o pouco que lhe resta, João vai à cidade e compra um caríssimo café importado, já que o café italiano “é o melhor do mundo”. Desafio, então, o João a me dizer onde há uma lavoura de café na Itália, na Alemanha ou no Japão. Não há. O café italiano é o café produzido por algum João, que chegou lá praticamente de graça, foi torrado e empacotado, e voltou a preços absurdos.
Desde 2007, o compromisso do Villa Café é levar o melhor café produzido no Brasil aos brasileiros. O que sobrar, exportamos pelo preço que nos interessar. Acreditamos nesta atitude como uma forma de contribuir para a construção de um país digno, rico e forte nos âmbitos econômico, social e cultural. Não que tenhamos que nos travestir de um arrebatado ufanismo ou de um patriotismo desmesurado, impedindo que nossos grãos saiam do país. De forma alguma, diga-se de passagem. Somos o maior exportador de grãos do mundo justamente porque oferecemos ao mercado externo um produto sem igual. E continuaremos a fazê-lo.
O que temos que repensar é o relacionamento que nós, brasileiros, temos com a bebida, que permeia a realidade do país desde os tempos coloniais. Naquela época, tudo de bom que se produzia era destinado às exportações. Hoje, quando há muito deixamos de ser colônia, não raro temos a sensação de estar fazendo o mesmo no que se refere ao café. Em 2008, o volume exportado de café torrado e moído foi de 6,7 toneladas, contra 1,57 milhão de toneladas de café verde, a ser industrializado em outros países, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Café – ABIC.
Assim, sinto-me impelido a questionar: por que nos contentarmos com grãos e produtos de padrão inferior e pureza duvidosa? Por que nos rendermos aos preços mais baixos, às chamadas “brigas de prateleiras”, priorizando o custo em detrimento da qualidade? Por que nos privarmos de consumir diariamente um café de sabor e qualidade inigualáveis, se é aqui no Brasil que temos o melhor café do mundo?
Que fiquem essas reflexões e que, ao menos, elas possam trazer à tona a consciência de que o café faz parte da nossa história, do nosso berço, da construção da nossa identidade como nação. O fato é que hoje, o café é a segunda bebida mais consumida no Brasil, perdendo somente para a água. Ele, como nenhuma outra, é capaz de trazer sensações de acolhimento e familiaridade, num misto de hábito e tradição. E justamente por essa relação emocional que temos com o café é que nos sentimos impulsionados a sempre incrementar o produto, investindo em mão de obra, pesquisas e programas de qualificação. E a maior recompensa disso, certamente, será a constatação de que o café gourmet chega massivamente aos supermercados, às cafeterias, aos lares. Porque nós, brasileiros, merecemos o melhor.